A lenda de Kena é uma das histórias mais fascinantes e reverenciadas da cultura marquesana, originária das Ilhas Marquesas, na Polinésia. Kena é um herói mítico, muitas vezes descrito como um semideus, filho de humanos e seres divinos, o que lhe confere uma dualidade única: ele possui poderes sobrenaturais, mas também é marcado pelas fraquezas e paixões típicas dos mortais. Sua narrativa é cheia de drama, coragem e tragédia, refletindo temas comuns nas lendas polinésias, como a luta entre o divino e o humano, o amor e o destino.
A história de Kena começa com seus pais. Seu pai, Te Aa, chefe de Hiva Oa (uma das ilhas Marquesas), lidera uma expedição ao submundo de Havai‘i para enfrentar o governante Tu Tonga. Após a batalha, Tu Tonga oferece suas duas irmãs como presente, que se tornam esposas de aliados de Te Aa. Enquanto Te Aa fica preso no submundo, as esposas sobrenaturais conseguem retornar a Hiva Oa. Uma delas dá à luz Kena, e a outra dá à luz Tefio, sua meia-irmã. Quando crescem, Kena e Tefio se casam, mas o relacionamento enfrenta problemas. Kena é apaixonado por surfar e passa muito tempo longe, o que desgasta a relação.
Um dos episódios mais marcantes da lenda envolve a busca de Kena por sua própria identidade e glória. Ao saber que dois filhos de um chefe vizinho estão sendo tatuados — um ritual de grande importância na cultura polinésia —, Kena usa seus poderes para interferir no processo, garantindo que ele seja tatuado primeiro e com os melhores desenhos. Esse ato reflete sua astúcia e determinação, características que o tornam um símbolo de força e engenhosidade. Após ser tatuado, ele retorna para casa, e dizem que relâmpagos saíam de suas axilas, um sinal de seu poder divino, embora sua mãe o repreenda por assustar os outros.
A tragédia se aprofunda na relação com Tefio. Após se apaixonar novamente por Kena durante uma festa, ela planeja fugir com ele. Eles tentam reacender seu amor, mas algo sempre os interrompe, e Tefio acaba adoecendo e morrendo de tristeza. Kena, devastado, a lamenta profundamente. Mais tarde, em suas aventuras, ele retorna ao submundo para confrontar Tu Tonga, seu tio materno. Em uma luta épica, Kena quebra os dentes de Tu Tonga, impedindo-o de devorar homens. Porém, seu destino toma um rumo sombrio: seduzido por mulheres baratas sobrenaturais, ele cai em um poço profundo e morre.
Kena é frequentemente representado na arte marquesana, especialmente nas tatuagens, com o motivo “Kena em seu banho”. Esse símbolo mostra o herói em um momento introspectivo, planejando estratégias ou refletindo sobre seus sonhos e fracassos. O banho é um espaço simbólico onde ele lida com sua dualidade — um lugar de criação e destruição, como um reflexo de sua vida. Esse desenho evoluiu ao longo do tempo, ganhando ornamentos abstratos que são comuns na tatuagem polinésia moderna, mas sua essência permanece ligada à coragem, à astúcia e à humanidade falha de Kena.
O que torna Kena tão celebrado é justamente essa mistura de heroísmo e vulnerabilidade. Ele desafia limites, enfrenta deuses e busca o amor, mas também sucumbe às suas próprias falhas. Para os marquesanos, ele é um espelho da condição humana, um herói que inspira por sua bravura e comove por seu fim trágico. Sua lenda sobrevive não só como história, mas como um símbolo cultural poderoso, especialmente nas tatuagens que carregam seu legado até hoje.